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Por Filipe Gustavo Barbosa Maux 
Professor de Direito Administrativo da Universidade Potiguar – UNP e IAP – Cursos.
Notário e Registrador Público

A Lei 13.465/2017 trouxe inúmeras alterações e novidades para o direito Civil e principalmente para o registro de imóveis.

Dentre as alterações e novidades introduzidas pela nova legislação, trazemos a baila a regulamentação da arrecadação dos imóveis abandonados que já estava apontada pelo Código Civil.

Dispõe o Código Civil:

Art. 1.276: O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§ 1º O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§ 2º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

Malgrado opiniões apontando a inconstitucionalidade do dispositivo civil, principalmente arrimados na impossibilidade do legislador civil poder comprovar o não desejo do proprietário de não mais conservar em seu patrimônio o imóvel que abandonou ou quando não cumpre suas obrigações fiscais, hoje a Lei 13.465/2017 trouxe a lume o procedimento administrativo para concretizar o abandono do imóvel e sua arrecadação em favor do Município ou da União.

Destarte, é importante salientar que nem sempre o abandono e a não satisfação dos ônus fiscais configuram a intenção em abandonar o imóvel.

A Constituição Federal assegura o direito à propriedade privada, como uma garantia fundamental, além de fornecer instrumentos para a defesa da mesma. Passados três anos, o Código Civil – lei hierarquicamente inferior à Carta Magna – entende que o Município, no qual está situado o imóvel, pode tomar para si o domínio do mesmo.

Outrossim, o caracterização do abandono pela ausência do adimplemento do ônus tributário caracterizaria uma espécie de confisco que somente é permitida em nível constitucional no artigo 243, que diz respeito às glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Nesse caso, haverá expropriação imediata sem qualquer indenização ao proprietário.

No artigo 1.276, §2º, do Código Civil, é permitido que o Estado realize outra modalidade de confisco, não respeitando o direito à propriedade previsto constitucionalmente. Assim já se posicionou o Enunciado 243, da III Jornada de Direito Civil do CJF: “A presunção de que trata o § 2º do art. 1.276 não pode ser interpretada de modo a contrariar a norma-princípio do art. 150, inc. IV, da Constituição da República.”

Malgrado as posições tendentes a argumentar a inconstitucionalidade da norma civil o certo é que hoje o procedimento de abandono e arrecadação foi positivado1.

Assim dispõe o CAPÍTULO IX da Lei 13.465/2017 – “DA ARRECADAÇÃO DE IMÓVEIS ABANDONADOS “:

Art. 64. Os imóveis urbanos privados abandonados cujos proprietários não possuam a intenção de conservá-los em seu patrimônio ficam sujeitos à arrecadação pelo Município ou pelo Distrito Federal na condição de bem vago.

§ 1o A intenção referida no caput deste artigo será presumida quando o proprietário, cessados os atos de posse sobre o imóvel, não adimplir os ônus fiscais instituídos sobre a propriedade predial e territorial urbana, por cinco anos.

§ 2o O procedimento de arrecadação de imóveis urbanos abandonados obedecerá ao disposto em ato do Poder Executivo municipal ou distrital e observará, no mínimo:

I – abertura de processo administrativo para tratar da arrecadação;

II – comprovação do tempo de abandono e de inadimplência fiscal;

III – notificação ao titular do domínio para, querendo, apresentar impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação.

§ 3o A ausência de manifestação do titular do domínio será interpretada como concordância com a arrecadação.

§ 4o Respeitado o procedimento de arrecadação, o Município poderá realizar, diretamente ou por meio de terceiros, os investimentos necessários para que o imóvel urbano arrecadado atinja prontamente os objetivos sociais a que se destina.

§ 5o Na hipótese de o proprietário reivindicar a posse do imóvel declarado abandonado, no transcorrer do triênio a que alude o art. 1.276 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), fica assegurado ao Poder Executivo municipal ou distrital o direito ao ressarcimento prévio, e em valor atualizado, de todas as despesas em que eventualmente houver incorrido, inclusive tributárias, em razão do exercício da posse provisória.

Art. 65. Os imóveis arrecadados pelos Municípios ou pelo Distrito Federal poderão ser destinados aos programas habitacionais, à prestação de serviços públicos, ao fomento da Reurb-S ou serão objeto de concessão de direito real de uso a entidades civis que comprovadamente tenham fins filantrópicos, assistenciais, educativos, esportivos ou outros, no interesse do Município ou do Distrito Federal.

Assim o procedimento administrativo para caracterizar o abandono e permitir a arrecadação dos imóveis é necessário, NO MÍNIMO2 que seja observado o seguinte procedimento:

1 – abertura de processo administrativo para tratar da arrecadação. Tal procedimento observará as normas administrativas procedimentais existentes na Lei Federal 9.784/99 (Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração). Entendemos que esse procedimento administrativo pode ser aberto de oficio pelo poder público ou requerimento de algum interessado;

2 – comprovação do tempo de abandono e de inadimplência fiscal, através de certidão da municipalidade, com presunção de legalidade do ato e certidão da divida ativa do Município pela ausência de adimplemento do IPTU;

3 – notificação ao titular do domínio para, querendo, apresentar impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação. Procedimento de intimação através de notificação extrajudicial por cartório, com registro em títulos e documentos da notificação. A lei não traz exigência de intimação pessoal do titular para ciência e acompanhamento do procedimento. Uma vez, sendo o procedimento administrativo de notificação extrajudicial seria possível publicação por via de Edital em jornal de grande circulação;

4 – A ausência de manifestação do titular do domínio será interpretada como concordância com a arrecadação;

5 – Respeitado o procedimento de arrecadação, o Município poderá realizar, diretamente ou por meio de terceiros, os investimentos necessários para que o imóvel urbano arrecadado atinja prontamente os objetivos sociais a que se destina. Essa possibilidade, de imissão provisória na posse, também é existente no procedimento de desapropriação, Art. 5 do Decreto Lei 3.365/41. A guise de exemplo, apontamos a situação dos imóveis abandonados que eram verdadeiros focos de aedes aegypti, permitindo ao Poder Público promover medidas urgentes para disseminação do foco ;

Nesse sentido, após o procedimento de notificação, sem qualquer resposta do proprietário o poder público tem a faculdade de imissão da posse do bem abandonado. Passado os três anos previstos em Lei o poder público passa a ser titular do bem, sendo incorporado ao patrimônio publico e passando para a qualidade de bem público.

6 – Na hipótese de o proprietário reivindicar a posse do imóvel declarado abandonado, no transcorrer do triênio a que alude o art. 1.276 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), fica assegurado ao Poder Executivo municipal ou distrital o direito ao ressarcimento prévio, e em valor atualizado, de todas as despesas em que eventualmente houver incorrido, inclusive tributárias, (IPTU) em razão do exercício da posse provisória. Essa possibilidade de reivindicar a posse do imóvel poderá ocorrer dentro dos três anos sob pena de decadência do direito de impugnar.

7 – Os imóveis arrecadados pelos Municípios ou pelo Distrito Federal poderão ser destinados aos programas habitacionais, à prestação de serviços públicos, ao fomento da Reurb-S ou serão objeto de concessão de direito real de uso a entidades civis que comprovadamente tenham fins filantrópicos, assistenciais, educativos, esportivos ou outros, no interesse do Município ou do Distrito Federal.

Assim, é fácil concluir que hodiernamente é possível o poder público municipal promover procedimento administrativo de abandono com objetivo de arrecadação dos imóveis abandonados. Para isso é previsto em Lei procedimento administrativo que deve ser observado, no mínimo, e que, passado o triênio previsto em Lei os imóveis abandonados são arrecadados em favor da municipalidade, tornando-se bem público. Trata-se de forma de desapropriação em que o poder público não tem que dispender indenização, o que ocorreria no procedimento de desapropriação, que sendo desapropriação comum (para fins de utilidade, necessidade ou interesse social) o pagamento seria prévio, justo e em dinheiro, e tratando-se de desapropriação urbana ou rural quando não se cumpre a função social o pagamento seria em títulos da divida pública ou agraria, resgatáveis em 10 ou 20 anos respectivamente.

Trata-se de nova modalidade de expropriação, sem pagamento, em que o poder público, após o três anos, passaria a titularidade do domínio do bem, sem dispender qualquer indenização, nem previa nem posterior.

Nesse sentido, importante salientar que se durante os três anos o proprietário reivindicar a posse do imóvel declarado abandonado, fica assegurado ao Poder Executivo municipal ou distrital o direito ao ressarcimento prévio, e em valor atualizado, de todas as despesas em que eventualmente houver incorrido, inclusive tributárias, (IPTU) em razão do exercício da posse provisória.

Assim sendo, tem-se mais um instrumento importantíssimo para a promoção de politicas urbanísticas previstos e regulamentados por Lei.

 

Fonte: OAB – Rio Grande do Norte